sexta-feira, 25 de julho de 2014

“Vagão cor-de-rosa”, uma afronta aos homens!


Nas últimas semanas muito se falou sobre o “vagão rosa”, medida adotada em alguns lugares do mundo, visando à suposta proteção das mulheres que utilizam transporte público e sofrem com o assédio sexual por parte dos homens. O Rio de Janeiro há mais de sete anos pintou alguns de seus vagões de cor-de-rosa com este mesmo propósito. Agora a discussão volta à tona em decorrência da aprovação do Projeto de Lei 175/2013 na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Parece que, nós paulistas, estamos à beira dos tempos de vagões rosa por aqui também. Muito já foi dito sobre isso, mas o que mais podemos pensar?

Quando Freud passou a se ocupar do desenvolvimento infantil, já em suas teorizações acerca do Complexo de Édipo, a diferenciação sexual se colocou como um importante pilar de sua construção. Como as crianças passam a se reconhecer como meninas ou meninos? A resposta que se eternizou, inclusive pela observação de crianças muito pequenas, foi a seguinte: “O menino tem pipi, a menina não”. É a conspicuidade do órgão sexual masculino que se impõe, inclusive aos pais, antes mesmo de seus bebês virem ao mundo, por meio da tecnologia do ultrassom é isso que perguntamos ao médico: “Tem pipi?”.


Nos anos 70, Lacan disse um de seus mais enigmáticos aforismos: “A mulher não existe”.  Pronto, suspendam a história dos vagões exclusivos! A mulher não existe!

   
A menina é aquela que não tem, marcada pela falta (de um pipi). A mulher seria, portanto, assim como o homem, definida inicialmente em relação ao órgão masculino. Não se falam de vaginas, seios ou úteros nesta idade, tratam-se de órgão invisíveis, então, quase imateriais. Lacan leva isso às últimas conseqüências em seu “a mulher não existe”. Obviamente ele não nega a existência de nós mulheres, mas de um significante que possa definir A mulher. Tomamos um significante emprestado – o falo. Esta afirmação não precisa ouriçar a ira dos discursos feministas, não se trata de uma inferioridade, mas também há muito sabemos que não é pela simples e pura afirmação da igualdade entre os sexos que ganharemos essa luta.

Lacan afirma, ainda, que é justamente por não ter um significante próprio, por não existir a priori, por não ser representada por um objeto, que as mulheres assumem o desafio de inventar-se, cada uma a seu modo. Não há uma mulher igual a outra, porque ser mulher demanda criatividade. O que é a mulher, assim como, o que quer a mulher, o que a satisfaz – são enigmas insolúveis. No fundo, todos nós, mulheres e homens, de alguma forma, repetimos à exaustão estas perguntas por meio de nossos sintomas neuróticos.


Cabe dizer, então, que às mulheres reservou-se certo ganho nesta história, Lacan em seu Seminário 10 faz menção a certas facilidades da posição feminina na relação com o desejo. Pois elas, e somente elas, de algum modo, sabem que não há um objeto capaz de suprir uma falta original. Da mulher não se pode tirar nada, uma vez que não há nada para se tirar. Ainda neste ponto, Lacan diz “a mulher revela-se superior no campo do gozo, uma vez que seu vínculo com o nó do desejo é bem mais frouxo” (p. 202). Em suma e simplificadamente, as mulheres são mais livres do que os homens na relação que estabelecem com o desejo.


Como todas as outras espécies do reino animal, também somos divididos em machos e fêmeas, no entanto, para nós seres humanos a tarefa da sexualidade  não é tão simples assim, primeiro porque, como eu disse, é uma “tarefa”. Acredito que nenhum peixe, leão ou pássaro se pergunte sobre estas coisas que estamos dizendo aqui, pois são eles dirigidos por algo que chamamos instinto. Para que dois animais copulem são necessárias poucas condições: que a fêmea esteja no cio, que o macho esteja nas proximidades, e que ambos estejam com sua saúde minimamente preservada. O instinto é certeiro e não faz curvas. Ganhamos a linguagem, perdemos as certezas. Eis seus efeitos sobre a sexualidade humana. 


Para concluir, voltando ao tema dos vagões cor-de-rosa – ao dizer que o problema do assédio sexual pode ser resolvido separando-se geograficamente mulheres de homens, estamos afirmando que os homens são incapazes de pensar e simbolizar seus instintos. Estamos condenando-os a um cio selvagem e absoluto, retirando deles o que acordamos ser nossa maior evolução enquanto espécie: a linguagem.


Não quero com isso dizer que o assédio não exista, que as mulheres não sofram horrores dentro do transporte coletivo, afinal, sou mulher, uso esse tipo de transporte e, infelizmente, sei bem do que estamos falando. A questão em que quero insistir é que a naturalização deste assédio e sua explicação pela proximidade física dos corpos, não me parece contribuir em nada com sua superação, muito ao contrário.  Ao terem que viajar em vagões separados para não atacar o sexo oposto, os homens já não são mais homens.  Sabe-se lá o que são.