Sala de Espelhos Infinitos - Campo de Falos (1965)
"Obsessão Infinita", atualmente em exposição no Instituto Tomie Ohtake com curadoria de Philip Larratt-Smith e Frances Morris, pretende uma retrospectiva da vida e obra Yayoi Kusama, além de convidar o público a mergulhar em cenários infinitos e inesquecíveis.
Logo de início somos atingidos pelo aspecto surrealista e psicodélico da produção da artista, conhecida por transpor o conteúdo de suas alucinações e experiência psíquica para diferentes suportes, fazendo da arte a possibilidade de compartilhar aquilo que vivencia internamente.
A experiência do contato com sua obra é múltipla, provocando um leque de questionamentos e interpretações. Dentre estas possibilidades, pinçaremos aqui a "repetição", temática com a qual inevitavelmente nos deparamos ao conhecer a Princesa das Bolinhas. Sim, bolinhas. Repetidas à exaustão, elas estão presentes quase sempre. Tanto as bolinhas quanto traços, redes, padrões e falos que, colocados em uma sala de espelhos, se repetem ad infinitum.
Em seu texto "Recordar, repetir e elaborar"(1914), Freud afirma que repetir - por meio da transferência, resistência e atuações - é justamente o que permite uma análise. Através da associação livre o sujeito lida com uma memória complexa, se aproximando do que ele mesmo deixa de recordar. A repetição dá o tom a este processo até que a elaboração aconteça. E então, segundo Freud, nós "alcançamos normalmente sucesso em fornecer a todos os sintomas da moléstia um novo significado transferencial e em substituir sua neurose comum por uma ‘neurose de transferência’, da qual pode ser curado pelo trabalho terapêutico." (1914, p.169-170)
No entanto, na obra de Kusama a repetição ganha proporções gigantescas. Nas palavras da própria:
"Artistas não costumam expressar seus próprios complexos psicológicos diretamente, mas eu adoto meus complexos e medos como temas. Fico aterrorizada só ao pensar que algo longo e feio como um falo me penetre, e é por este motivo que construo tantos falos... Eu construo muitos e muitos deles e então continuo construindo até que me enterro no processo. A isto dou o nome 'obliteração'."
Como num sufocamento pela repetição de algo não-elaborável, a 'obliteração' encerra o assunto. A exposição excessiva ao tema causa um efeito, dá um destino - assume o fracasso da elaboração. E, ao adentrarmos nesta realidade tão particular de Yayoi Kusama, experimentamos algo daquilo que insiste e não se resolve em cada um de nós. Algo que todos reconhecemos, mas quase sempre preferimos esquecer.
Referências
FREUD, S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914). "Recordar, repetir e elaborar ", v. XII.
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