Ao contrário do que pensava Freud no início de sua psicanálise, já sabemos que de nada adianta explicar algo a alguém com o objetivo de acabar com seu sintoma. As explicações enredam o sujeito alienando-o cada vez mais do que poderia ser alguma verdade, isto Foucault enfatizou como ninguém. Ora, de que valem então as mirabolâncias dos argumentos em torno de um fenômeno até então absurdo? De que vale todo o esforço de tentar colocar em palavras o que estarrece e apavora? De que valem as teorias acerca do mundo? De nada, talvez.
Contudo, humanos que somos, precisamos explicar para sentir que a “coisa” está controlada, cercada por palavras e presa, ainda que continue vagando. Então, vamos lá ver se podemos dar forma a essa angústia que nos assola a cada vez que ouvimos um novo comentário nas redes humanas e pensamos: “inacreditável! Como esta pessoa pode dizer isso? De novo?!”.
Não dá pra negar que o ódio ganhou palavras, pra variar, palavras covardes que se dirigem aos (supostamente) mais fracos - “fulano que votou neste ou naquela”; “ciclano que tem menos capacidade porque nasceu em tal região”; “o outro lá que gosta de homem e devia morrer”; e assim, sem exageros, infinitamente. Palavras que parecem extemporâneas, absurdas, alucinadas. Que podemos contra essa disseminação de palavras quase sempre homicidas? Alguns dirão que antes faladas do que caladas. Outros dirão que a palavra cria a coisa. Não sei, sinceramente, não sei. Mas, deixem-me dizer algumas palavras também, ainda que (talvez) de nada valham, deixem-me contornar meus monstros neste esforço público.
Em seu texto de 1919, Freud tentou definir a experiência “unheimlich”, o sinistro, o estranho, o sem-palavra que nos acomete. Aquilo que de tão estranho soa familiar, ou vice versa. Aquilo do outro que carrego em mim, ou vice versa. Aquilo que só posso denominar como “aquilo” e preferencialmente no outro.
Não seria esta a base do preconceito? Algo em mim que de tão insuportável, me defendo não o suportando no outro, querendo extirpá-lo: o diferente, o estranho, o estrangeiro. Freud tem uma célebre frase que atenta para isso, diz ele: “Quando Pedro fala de Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”. Alguma dúvida? Ora, mas nos indignamos que Pedro, e somente Pedro, não se dê conta do que faz, do ridículo que passa. E pensamos, finalmente, “coitado de Pedro”. Acontece que todos somos pedros e continuamos apontando para os paulos. Mais correto seria dizer, somos todos pedros e paulos.
A intolerância, que temos a impressão, talvez correta, de estarmos vivendo em níveis cada vez mais exagerados e inconcebíveis é um mecanismo que foi psiquicamente explicado há mais de um século. Por que continuamos? Onde vamos parar?
O que era pra ser uma escolha minimamente democrática se tornou, diante de nossos olhos, uma luta de gladiadores em que a vitória acontece com a morte literal do outro, e não estou falando (só) dos candidatos, mas de cada eleitor de cada esquina deste país das maravilhas.
Talvez a luz que a psicanálise possa trazer não seja por meio de generalizações sobre o ódio ou o preconceito, embora acredite que também precisamos disso, mas a luz mais eficaz talvez sobrecaia sobre cada divã, pela análise de cada sonho, pelo declínio de cada significante...
Pessimista? Talvez.