segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A lógica do poder e a reprodução da violência

Deparo-me constantemente com a questão da violência, que me intriga diariamente e faz-me pensar. Mas quando cito esse tema, não estou somente fazendo referência ao terror sanguinário, e sim aos diversos tipos, que podem ser eles velados também.
Há uma exposição da violência que ocorre de maneira descritiva e sensacionalista do horror e que somente o intuito tem por fim reproduzi-la.

Existe uma hipótese de que a mídia, o estado e as próprias pessoas vivenciam a reprodução da violência diariamente, num movimento de combate dela com mais violência, ou simplesmente com punições severas ou maneiras sensacionalistas de promover o horror. Mas que de fato, não há uma preocupação real em se questionar e olhar para a causa.
A dinâmica da culpabilização permanece ou até mesmo a dinâmica de extermínio daquele que pratica se mantém.

A violência é diária e a falta é constante, a miséria, a fome, a falta da educação, a falta de condições básicas para o desenvolvimento do ser humano, a divergência social escancarada da pobreza e riqueza lado a lado e as formas de se dominar, controlar e manter um povo passivo, alimentado por “bolsas” que promovem somente o básico e uma relação de dependência e controle.

Não impulsionam para o nascimento de uma população crítica que tem fome para além do alimento, são os outros tipos de violência que poucos querem ver, ou que pouco se interessa tratar.
Então será que para o estado é de interesse manter a violência e reproduzi-la? Será que a população exerce uma reflexão sobre o modo de funcionamento de cada um e daquilo que atua?
               
Zizek (2014), em sua obra, Violência, escreve, discute e propõe uma reflexão sobre o tema, e o que ele propõe é não somente uma resposta impulsiva a uma demanda dita urgente, e sim um distanciamento necessário da situação para poder olhar, pensar e responder a isso de maneira crítica e fundamentada num estudo sobre a causa dela.
               
Em seu livro, Zizek (2014) cita a saída encontrada por Lenin após a catástrofe de 1914, em que o mesmo retirou-se para a Suiça, e lá “estudou, estudou e estudou” a lógica de Hegel.
Então, ao invés de sermos tomados pelo bombardeio das imagens da mídia de violência e reproduzir o caos ansiosamente sem reflexão, precisamos estudar, estudar e estudar as causas dela.
               

Referências

Zizek, Slavoj. Violência: seis reflexões laterais/ Slavoj Zizek; tradução Miguel Serras Pereira. – 1 ed – São Paulo: Boitempo, 2014. 

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Posto, logo existo! #naonemnada

A peça teatral "Não Nem Nada", em cartaz no Teatro do Núcleo Experimental, propõe algumas reflexões bem interessantes sobre aspectos de nossa vida contemporânea – o tempo do telemarketing, dos instagrans, facebooks, whatsapps e tantos outros. Tempos de gente antenada, da vida múltipla em mil aplicativos de uma só vez. São tantas as questões, todas operando quase como pequenas denúncias de uma normalidade (a)típica. Eis a graça da coisa.

"(...) E logo adiante, uma casa de espelhos.  Você está e se vê gordo,  depois muito magro e alto, depois com um pescoço de girafa, depois com o rosto desfigurado e assim por diante. Em todos os reflexos,  contudo,  o resíduo de uma figura extremamente familiar na qual você aprendeu a se reconhecer", diz Vinicius Calderoni, autor e diretor da peça.

Quero me deter em um ou dois desses pontos. Sim, de fato mirei o palco com aqueles olhos de quem acabou de acordar, aqueles que ainda apresentam resistência para se abrir por completo, aqueles meio embaçados e remelentos, aos quais só o espelho pode dizer quem são. "Não Nem Nada" é um desses espelhos, angustiante por um lado, mas que nos assegura o pertencimento a certa lógica: aquilo, no fundo do espelho, sou eu! Mais, ou menos, distorcido pelo sono, sou eu! Penso que sou! Sou! Sei que sou! É tudo que me garante, ainda que de soslaio, que não sou os personagens híbridos dos meus sonhos, mas alguém que acabou de despertar – felizmente ou infelizmente, a depender do teor da última sessão onírica.

Lacan em uma de suas releituras de Descartes, disse: “Penso onde não sou. Logo, sou onde não penso”. Ora, ora! Subversões filosóficas à parte, Descartes devia se olhar muito mais ao espelho do que Lacan. 

O espelho de Lacan é aquilo que nos faz de algum modo inteiriços, que nos dá alguma noção primeira de corpo e de eu. É a possibilidade de ver o que o outro enxerga quando nos olha. É poder habitar os olhos do outro, mesmo que num instante. De alguma maneira, o espelho é, para nós, estruturante. Sem uma imagem o que seríamos? Sem alguma pressuposição daquilo que podemos ser para os outros, sem isso, seríamos? Identidade e alteridade são como faces de uma moeda, poucos duvidam.

Nada mal. Não fosse o perigo eminente de um aprisionamento especular, tal qual Alice. Esta é a metáfora que a peça me trouxe. Como nos vemos em um mundo quase completamente revestido de espelhos e auto-imagens? E, finalmente, a pergunta mais enigmática de todas: Como viver sem postar no Facebook?


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"Não Nem Nada" fica em cartaz até 18 de outubro de 2014, no Núcleo Experimental.